segunda-feira, 26 de maio de 2014

Visitante clandestino

Ele não foi planejado. Não foi concebido com antecedência, não foi fruto de uma decisão cuidadosamente tomada com meses de planejamento e avaliação de prós e contras, como seria o aconselhável. Não, nada disso. Ele simplesmente decidiu aparecer em nossas vidas sem enviar aviso prévio, sem se anunciar, sem pedir permissões. Veio para transformar nossa maneira de ver o mundo e, como tal, está sendo muito bem vindo, pois que nos conquistou desde o primeiro instante em que fez manifestar os prenúncios de sua existência.
Desde então, ele está lá, no canto dele, crescendo e amadurecendo, sem que nada tivéssemos feito de forma deliberada para que assim sucedesse. É bonito, robusto, bem formado, indiscutivelmente saudável, para nossa alegria, satisfação e orgulho. Minha esposa não pensa duas vezes em exibi-lo a quem quer que visite nosso lar, jactando-se da qualidade do ambiente que propiciou seu surgimento. Afinal, quem iria esperar que florescesse um pé de tomate dentro do recipiente de terra instalado na sacada do apartamento a fim de cultivar temperinhos para avivar saladas e jantares despretensiosos? Quem?
E quando? De que forma? Como foi que surgiu ali aquele pé de tomate sem que ninguém semeasse suas sementes junto às mudinhas de salsa, cebolinha, sálvia, alecrim, manjericão e hortelã? Ninguém plantou tomate, ninguém esperava tomate, mas de repente começou a surgir ali o tomateiro, imponente, belo, viçoso, determinado a erguer-se, vingar e proporcionar-nos frutos. Uma pequena e singela amostra da maravilha indecifrável da vida a se manifestar espontaneamente na forma de um tomateiro clandestino na horta de temperos de nosso jardim de concreto suspenso.

E não se trata de um tomateiro tímido e discreto, nada disso. O pezinho apresenta-se ali garboso e generoso, anunciando, atrás do primeiro fruto, a sequência de pelo menos mais oito que já amadurecem ao sabor das alternâncias climáticas de nossa Serra. Ontem de meio-dia, após alguns instantes iniciais de indecisão e angústia, colhemos o primeiro tomate, maduro em sua vermelhidão tomatal, e o saboreamos com a devida pompa no almoço. Afinal de contas, poesias à parte, foi para isso que ele veio, não é mesmo? Ah, e tem mais oito. Porque no final das contas, quase tudo se resume aos ditames do estômago.
(Crônica publicada no jormal Pioneiro em 26 de maio de 2014)

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