quinta-feira, 29 de maio de 2014

Um toque de rosa

Tem coisas que ficam muito lindas quando escritas pelos escritores e lidas pelos leitores, mas que, quando confrontadas com as dificuldades impostas pela vida real, correm o risco de se transformarem em discurso vazio ou, o que é pior, aumentar ainda mais nosso grau de irritabilidade. Essas bem-intencionadas dicas sobre como driblar a monotonia estafante do cotidiano raramente conseguem assentar banco na agenda do nosso dia-a-dia, apesar de, na teoria, concordarmos que sua prática seria deliciosa.
 Quem sabe muito bem disso é a amiga leitora aí, que precisa levantar cedo pela manhã (antes ainda do que o próprio sol, esse folgado), vestir a criançada, escovar-lhes os dentinhos, dar-lhes café e preparar o lanche, levá-los para a escola, ir para o trabalho, solucionar a pepinada que brota sobre a mesa, atender ao telefone, receber e-mails raivosos, lembrar de comprar papel higiênico porque acabou em casa, buscar as crianças, ouvir de noite as reclamações do marido contra o chefe dele, botar a turma para dormir, desmaiar na cama e preparar-se para mais um round no dia seguinte. Tá, e aquela pausa para o relax, com a esticadinha nas pernas e nos braços, os quinze minutos para o cafezinho tranquilo a olhar para a beleza do céu, que tanto nos sugerem esses textos, como é que fica?
Pois não fica, não é mesmo? Não fica, não sobra tempo para essas poetices dos escritores. Sem falar que você se esqueceu de ligar para o encanador e, raios, a torneira do banheiro segue pingando a nooooite inteiraaaaa. Pois é, não é fácil, concordo e admito.
Concordo, admito, porém, leitora, não se esqueça de que eu sou escritor também, e não posso me furtar das responsabilidades inerentes à minha atividade. Assim sendo, permita-me também fazer uma singela sugestão nesse sentido de enrosar (criei agora... significa “tornar mais rosa”) a sua rotina. Que tal experimentar, por exemplo, um dia desses, burlar a hora do almoço e usar esse tempo para ir sentar-se em um banco da pracinha ou parque aí perto e olhar a vida passar, sem nada mais? Não tem pracinha ou parque próximos? Bem, apenas dê umas voltas na quadra, você vai ver o poder recuperador de células estressadas que algo assim tem.

Ou faça como umas vizinhas minhas, que final de semana passado, em pleno frio, viajaram para a praia e adoraram o céu encoberto e a tranquilidade na estrada e à beira-mar. Ou ainda, à noite, deixe descansar a rede social e convide o marido para um jogo de cartas, ou qualquer outra coisa que sua imaginação sugerir. Não é tão difícil assim enrosar seu dia. Pronto, falei.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 29 de maio de 2014)

Nenhum comentário: