quarta-feira, 7 de maio de 2014

E vamos xingando

A deselegância, para não dizer o descontrole e a falta de educação, do técnico da Seleção Brasileira de Futebol, Luiz Felipe Scolari, ao xingar com palavrões o fotógrafo Roni Rigon, do jornal Pioneiro, que no domingo passado fazia seu trabalho ao cobrir a visita de Felipão ao Santuário de Nossa Senhora de Caravaggio, em Farroupilha, causou espécie. O perfil pouco polido do treinador já é conhecido de longa data, porém, o que causou espanto foi a truculência das palavras aliada a um estado de espírito agressivo, carrancudo, hostil às manifestações naturais da população e da mídia à sua presença, haja vista a figura pública que ele encarna.
Mas eu não me espanto. O Felipão utilizou-se de palavreado de baixíssimo calão contra o fotógrafo e seu trabalho, lá no terreno sagrado do Santuário, sob os olhares escandalizados da santa que teoricamente foi homenagear, por uma simples razão: xingar e mandar as pessoas irem para “aquele lugar” são atitudes que, infelizmente, são encaradas como “naturais” no ambiente futebolístico. Prova disso é aquele outro fato recentemente ocorrido também aqui em nossas plagas serranas, que abordei em crônica recente, quando torcedores do Esportivo de Bento Gonçalves agrediram o árbitro com palavras e atos racistas em partida do Gauchão. Chamado às contas, um dos acusados, na tentativa de se defender, afirmou que não proferiu frases racistas, mas que apenas fez “xingamentos normais contra o juiz”. Xingar, então, é considerado “normal” no futebol por torcedores, jogadores, treinadores e todos os demais personagens das tramas desenvolvidas nos gramados.
O problema é que tudo aquilo que se transforma em “normal” devido ao uso comum, mesmo não o sendo (matar é “normal” nas guerras; estuprar também; justiçar com as próprias mãos é “normal” no submundo do crime e por aí vai), acaba virando regra de conduta, e é aí que mora o perigo. O xingamento, no cenário do futebol, de tão corriqueiro que é, se transformou em banal e usual. O problema é que o uso comum cria a falsa impressão de normalidade, levando as pessoas envolvidas a esquecerem que normal é que não é. Pode ser corriqueiro, mas não é normal, nem aceitável, nem louvável, muito menos justificável.

Daí a irmos nos xingando no trânsito, no trabalho, em casa, na escola, na vida, nos santuários, é só um passo. Driblar essa falsa normalidade é o desafio que se impõe às celebridades como Felipão e a cada um de nós.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 7 de maio de 2014)

Nenhum comentário: