sexta-feira, 16 de maio de 2014

Aprendendo a ouvir

Um dos segredos para conseguir obter uma vida mais sadia é aprender a conhecer a linguagem de seu próprio organismo. Desde muito cedo, até mesmo porque se trata de instinto, aprendemos a detectar, por exemplo, algumas de nossas necessidades mais básicas, como fome e sede, e imediatamente tratamos de encontrar meios de saciá-las (no início, metendo a boca no mundo para ganhar a teta materna e, mais tarde, aprendendo a dizer “papá” e “mamá”, o que enche nossos pais de orgulho por imaginarem que os estamos a chamá-los, mas o que queremos é rango mesmo, e rápido).
À medida em que vamos crescendo e nos tornando seres mais complexos, nosso rol de necessidades vai também ampliando e se tornando mais cheio de melindres e requififes. Tirando de lado frescuras como a vontadinha de comer sorvete de rapadura ou de assistir a um novo filme estrelado pela Scarlet Johansson, alguns de nós, mais atentos e sensíveis aos sinais emanados pelos seus próprios corpos, aprendem a perceber que o organismo está necessitando, por exemplo, de glicose, ou de frutas, ou de verduras, ou de um pouco de carne, essas coisas. Cientes de que o corpo fala, vamos aprofundando canais de comunicação conosco mesmo, processo que, se bem organizado, resultará em indiscutíveis ganhos para nossa saúde física.
Padrões semelhantes ocorrem, a meu ver, também no âmbito intangível de nossas essências, ou seja, em nossa parcela não-física, que alguns podem batizar de alma, ou de porção espiritual, ou inteligência, essência, self, o que seja. Essa nossa parte de nós mesmos também tem fomes, desejos e necessidades, que gritam e precisam ser supridas de vez em quando, a bem de nossa sanidade mental (e/ou espiritual).
Noite dessas, por exemplo, detectei em mim uma necessidade grande de voltar a observar estrelas. Felizmente não chovia, a noite estava clara, enluarada. Peguei a cadeira de praia e assentei-me na sacada, a fim de saciar essa saudade que repentinamente se abateu sobre mim, de privar por alguns instantes da companhia muda e apaziguadora das estrelas que, incrível, continuavam lá, nos mesmos lugares em que eu as havia visto da última vez em que nos encontráramos, sei lá eu quanto tempo atrás.

Recarreguei-me nessa minha parte não corporal e voltei para dentro de casa e de mim mesmo, saciado. Quantas dessas necessidades não palpáveis será que andam gritando dentro de nós sem que lhes estejamos dando ouvidos? É fundamental aprender a não ser surdo a esses clamores.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 15 de maio de 2014)

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