domingo, 18 de maio de 2014

A volta do lagartão

Andei lendo por cima nos jornais a notícia (a notícia não, a informação), a informação, então, de que um novo filme do Godzilla está estreando nos cinemas do planeta. O Godzilla, para quem nasceu ontem e eventualmente não saiba, é um lagartão gigantesco que solta raios pela boca. Ele emerge do mar, furioso, sem avisar ninguém, e se bota a destruir grandes cidades, especialmente no Japão, país em que foi originalmente criado para povoar em seriados televisivos as tardes de crianças do mundo todo em décadas passadas (eu fui uma delas, apavorado com o monstrengo em frente à televisão preto e branco e a válvula, marca Telefunken, naquelas tardes longas da infância na Rua dos Viajantes, em Ijuí).
Permanecem vívidas em minha memória telúrica as patadas certeiras que Godzilla (um ator enfiado dentro de uma fantasia tosca de borracha), incontrolável e ensandecido, desferia contra maquetes de prédios feitas em papelão nos estúdios televisivos. As imagens de destruição eram intercaladas com closes de multidões de pessoas apavoradas gritando e fugindo, cada um para um lado, o que intensificava a sensação de perigo que chegava a tirar o meu sono mais tarde quando, às nove da noite, meus pais me colocavam na cama. Nove da noite era hora de criança ir para a cama, naqueles tempos em que Godzilla arrepiava na televisão sem cores.
Pois agora informam que Godzilla está de volta, em nova versão cinematográfica produzida com os mais modernos efeitos especiais de Hollywood. Ah, pobre cidade que vier a ser devastada por esse Godzilla altamente tecnológico. Não vi o filme do Godzilla, tampouco verei o novo filme do Godzilla. Afinal, meu sono tem andando tão bem ultimamente que não quero correr o risco de despertar a criança impressionável que talvez ainda resida em algum lugar aqui dentro.

Mas confesso que fiquei curioso com a revelação, na matéria, de que a nova trama de Godzilla traz menos ação e mais drama. Sim, dizem que conseguiram enfiar um enredo com drama familiar e emocional no filme do Godzilla, não sei a troco de quê, uma vez que, o Godzilla que eu conheço, só se interessa por dar caudadas em arranha-céus. Vai ver que, para manter seu Ibope em alta, Godzilla precisa agora apelar a outros truques para enfrentar a concorrência no quesito destruição de cidades, o que vem sendo feito com bastante competência pelos humanos mesmo, que viraram experts em transformar seus habitats naturais (as cidades) em infernos decadentes. Quem, dos habitantes atuais do caos urbano diário, vai ter medo do lagartão?
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 17 de maio de 2014)

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