segunda-feira, 7 de abril de 2014

Toca Xirú!

Uma típica cena de filme policial sacudiu a pequena e pacata cidade de Giruá (17 mil habitantes), no Noroeste do Estado, sexta-feira passada. Os ouvintes que no final da tarde estavam sintonizados na Rádio 104.1 FM, acompanhando o programa conduzido pelo comunicador Jair Wathir, surpreenderam-se ao escutarem, de repente, algumas pancadas secas desferidas contra a mesa de som, vozes alteradas e ruídos similares a uma briga. Sem entenderem o que estava acontecendo, chamaram a Brigada Militar, que chegou a tempo de invadir o estúdio e evitar uma tragédia.
O locutor estava sendo ameaçado a faca por um ouvinte que, bêbado, exigia que fosse irradiada a música que ele havia solicitado minutos antes por telefone e que lhe fora negada. O agressor foi detido e o locutor explicou que negara o pedido do ouvinte porque a música não se encaixava no estilo da programação, um tradicional e popular programa de melodias de bandinhas alemãs. E o que o ouvinte inflexível queria escutar era a gauchesca “Corpo esgualepado”, do Xirú Missioneiro. Definitivamente, não dava, e o que quase aconteceu foi o esgualepamento ao vivo do corpo do comunicador.
Felizmente, tudo acabou bem: o locutor não se feriu, o agressor foi curar o porre no xilindró e o programa de bandinhas alemãs não foi desvirtuado bruscamente pela invasão de versos como “Cada dia que passa parceiro/ Meu corpo véio me dá uma sintoma/ Resquícios de uma vida bruta/ De tropiada, de esquila e de doma”. Teria sido um verdadeiro trauma.
O episódio todo tem origem no desatino causado pelo excesso de consumo de álcool por parte do protagonista, o que embaça qualquer tentativa de justificá-lo. Mesmo assim, sempre é possível refletir um pouco, e me flagro a pensar nessa tendência que temos às vezes de querermos ver nossas demandas atendidas sem atentarmos a quem endereçamos a exigência. Não podemos querer boa música campeira de uma banda de rock, ou que o restaurante de comida típica italiana sirva coraçãozinho de galinha, ou que o cronista Fulano escreva no estilo do cronista Sicrano, ou que Beltrana aprecie os mesmos filmes que eu, ou que todos pensem igual a mim, ou ainda que se comportem da forma como espero que o façam.

Conhecer os limites impostos pelas diferenças, aceitá-los, respeitá-los e mesmo valorizá-los é o primeiro passo para desobstruir o caminho da tolerância, a única via possível para uma convivência pacífica entre os semelhantes, tão dessemelhante que somos entre nós mesmos.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 7 de abril de 2014)

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