domingo, 6 de abril de 2014

Titanic ou Arca de Noé

Não sou um aficionado pelas superproduções cinematográficas hollywoodianas e nem fico ansioso esperando a estreia dos novos arrasa-quarteirões. Minha ânsia por esse tipo de entretenimento naufragou quase duas décadas atrás junto com o “Titanic” do Leonardo DiCaprio, filme cujo final, por sinal, eu já sabia desde o primeiro minuto de projeção (a coisa afunda e não há o que a salve).
Mas como toda a regra tem uma exceção (creio que até mesmo esta a tenha), eis que me flagro ansioso para assistir à mais nova superprodução hollywoodiana: o filme “Noé”, com Russell Crowe no papel principal (o barbudo construtor da famosa arca), acompanhado por um elenco composto por Emma Watson e Anthony Hopkins (será que ele interpreta Deus no filme?), sob direção de Darren Aronofsky. Este, de fato, eu quero ver.
Pouco me atraem os megalômanos efeitos especiais que certamente conduzirão as cenas da construção da arca, da entrada nela dos casais de animais e da enxurrada diluviana em si (dilúvios em nada impressionam a nós, caxienses, acostumados que somos às chuvaranças insistentes que nos visitam ao longo do ano). O que me interessa é acompanhar a forma como o diretor, o roteirista e os (bons) atores irão desenvolver a trama que se sustenta no poderoso e cruel dilema interno de um homem que se vê de repente confrontado com a incumbência de carregar nas costas o fardo do mundo.
Ao receber de Deus a hercúlea incumbência de construir uma gigantesca arca na qual deveria salvar, do iminente dilúvio, casais das várias espécies de seres vivos do planeta, Noé há de ter sido invadido por uma sensação que os filósofos alemães chamam de “weltschmerz”, ou seja, o “cansaço do mundo”. Trata-se de uma sensação que, desde então, acomete a todos os seres humanos (descendentes que somos dos sobreviventes do bíblico cataclisma) de vez em quando. É a sensação que temos naqueles dias em que o mundo inteiro parece pesar sobre as nossas costas, em que as atribulações de nosso cotidiano parecem muito superiores às forças que temos para enfrentá-las.

No entanto, tal como Noé, acabamos sempre arrebanhando exércitos de ânimo e forças insuspeitas, arrombamos as portas da prostração e seguimos em frente, vencendo as marés contrárias, salvando a nós próprios de nos afogarmos nos dilúvios forjados pelas atribulações da vida diária. Nenhum de nós deseja afundar com DiCaprio a bordo do Titanic. Se tivermos escolha, optaremos sempre por tíquetes para a Arca de Noé.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 5 de abril de 2014)

Nenhum comentário: