terça-feira, 15 de abril de 2014

Tem cupim na moldura

Não dá mais para ficar tentando tapar o sol com o coador. As notícias escancaram isso todos os dias de norte a sul no país e cada um percebe a situação em seu próprio entorno, obrigando-se a alterar hábitos e comportamentos. Agora, chegam os resultados dos estudos para demonstrar claramente o tamanho e o formato do monstro: somos, nós, brasileiros, uma das sociedades mais violentas do mundo.
O caldo entornou e não adianta insistir no discurso cor-de-rosa para inglês ver, de que tudo não passa de forçação de barra da mídia. Os números falam por si, especialmente os divulgados este mês pela ONU, inseridos no Relatório Global Sobre Homicídios, demonstrando o quadro da violência no planeta no ano de 2012. O Brasil ocupa uma desconfortável posição de destaque entre as nações mais violentas da Terra, respondendo por 11% dos homicídios (50 mil casos) registrados no planeta naquele ano (total de 437 mil), integrando o segundo grupo dos mais violentos (25 homicídios para cada 100 mil habitantes), na companhia de México, Nigéria e Congo.
O primeiro grupo (30 homicídios a cada 100 mil habitantes) é constituído por nações como Colômbia, Venezuela, Guatemala e África do Sul. Mas estamos demonstrando possuir uma vocação irrefreável para rapidamente migrarmos para o primeiro grupo, do jeito como seguem as coisas. Os dois fatores apontados pelo levantamento como sendo as principais causas da violência assassina no nosso país são o abuso de álcool e outras drogas e o acesso fácil às armas de fogo. Ou seja, mata-se aqui porque é fácil matar, uma vez que o casamento entre os dois fatores (armas e psiquê alterada) é socialmente facilitado. Isso, claro, sem falar na impunidade, na derrota do Estado frente ao crime organizado, na falência das prisões etc.
Mas o que o estudo da ONU não mostra é o processo galopante de inserção da violência no cotidiano do cidadão comum, que se transforma também em protagonista de pequenas violências comportamentais, essas que verificamos no trânsito, nas filas, nas calçadas, no teor dos e-mails e das manifestações em redes sociais, nas pequenas e grandes corrupções, no lixo jogado nas ruas e assim por diante. A violência, travestida de preocupante normalidade, está se tornando parte integrante da cultura nacional, junto com o samba, a caipirinha, o chimarrão, a Bossa Nova, o Carnaval, o futebol... Seguimos morando em um país tropical, bonito por natureza, sim. Mas olhem bem: tem cupim danado roendo a moldura do quadrinho.

 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 15 de abril de 2014)

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