segunda-feira, 14 de abril de 2014

Sob a clava de Grogh

O CENÁRIO: Em algum lugar do mundo.
A ÉPOCA: No futuro próximo, ano de 2020 d.C.
A CENA: Durante uma palestra sobre algum tema qualquer, o palestrante emite uma opinião relativamente banal, afirmando que, para ele, a cor mais bonita do mundo é o amarelo. Imediatamente, em meio à plateia, um ouvinte se levanta, saca uma arma, desfere cinco tiros contra o palestrante, que morre ali mesmo, sobre o palco. Enquanto o adorador do amarelo agoniza, o ouvinte/assassino, em pé em meio aos demais, afirma em alto e bom som: “Ele está errado. A cor mais bonita do mundo é o verde”. Ninguém ousa discordar. Ele guarda a arma e se retira do recinto. Afinal, a discussão estava encerrada. Ele vencera.
OUTRO CENÁRIO: Em algum lugar do mundo.
OUTRA ÉPOCA: No passado distante, ano de 10.000 a.C.
OUTRA CENA: Ugh está caminhando com sua clava à sombra do vulcão. Ugh acha o vulcão bonito, desde que não esteja ativo. Ugh é um adorador de vulcões e, sempre que encontra um deles, aponta para a formação rochosa, extasiado, e exclama “Nhoof, ugh, urgah”. O problema é que, pelas proximidades, circula Grogh, também com sua clava. A clava de Grogh é mais pesada que a de Ugh, pois Grogh é mais fortão do que Ugh. Não se sabe se Grogh odeia vulcões, ou se odeia Ugh, ou se simplesmente não entende o que Ugh quer dizer com “Nhoof, ugh, urgah”. O fato é que Grogh senta-lhe a clava em Ugh e racha sua cabeça ali mesmo, à sombra do vulcão, matando-o e encerrando também qualquer princípio de discussão.
MAIS UM CENÁRIO: Em todos os lugares do mundo.
MAIS UMA ÉPOCA: Os dias atuais, ano de 2014 d.C.
MAIS UMA CENA: Cada vez mais, a ferramenta preferencial utilizada pelas pessoas para afirmar seus pontos de vista, para discordar ou debater, é a agressão física e verbal, com violência e desrespeito. Pouco diferem de Grogh e Ugh e caminham a passos largos rumo ao futuro sombrio visualizado no início do texto. O insulto pessoal, a baixaria transportada na boleia do anonimato, as agressões físicas aos diferentes e aos que não pensam igual, o matar pelo matar, o cuspir, o xingar, o atacar, cada vez mais integram o conceito de convivência (?) de muitos.

Não sei, mas algo anda muito mal por aí. Começo a achar que era mais seguro passear à sombra de vulcões milênios atrás, apesar das poderosas clavas dos Groghs alheios.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 14 de abril de 2014) 

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