sexta-feira, 11 de abril de 2014

O leitor de rua

(Foto tirada por Ivonei de Carvalho em fevereiro de 2014 no bairro Glória, Rio de Janeiro)

Sempre que nos sentirmos desesperançados, sempre que estivermos a um passo de jogar a toalha na lona e abandonar o ringue, sempre que imaginarmos que a coisa não tem jeito mesmo então deixemos tudo para lá e vamos é cuidar de nossas próprias vidas, sempre que estivermos enxergando somente as nuvens em detrimento da réstia de luz solar que teima em se esgueirar por entre elas, sempre que esmorecermos... acabará surgindo de algum lugar aquela fonte de energia que renovará nossas esperanças e reabastecerá nosso tanque para prosseguirmos na batalha por aquilo que acreditamos, nem que saibamos que estamos a dar murros em ponta de faca.
Eu, por exemplo, sou um desses seres esquisitos que teimam em acreditar no poder transformador que o ato da leitura exerce sobre os espíritos humanos. Eu acredito fervorosamente que a aquisição do hábito de ler, do gosto pela leitura, do prazer do contato com o mundo dos livros, desperta na pessoa habilidades tais que o mundo, a vida, a existência passam a ser para ela um universo sem limites. Essa é a minha fé. A leitura forma. A leitura informa. A leitura liberta. A leitura diverte. A leitura entretém. A leitura consola. A leitura nos ensina a compreender o mundo e os seres humanos. A leitura nos ajuda a compreendermos a nós próprios.

A leitura é, pois, uma das mais elevadas ferramentas civilizatórias criadas pelo engenho humano. Privar-se deliberadamente de ler, no meu entender, é provocar contra si mesmo um dos mais tristes boicotes. Pois em um país em que uma funkeira recebe de professores de filosofia a alcunha de “grande pensadora moderna”, em que um ex-presidente da República afirma que “ler é uma chatice” e em que atores (?) revelam detestar ler, não faltam desestímulos para quem insiste em permanecer ativo na batalha em favor dos livros. Esta semana, porém, a redenção me veio a partir da cena que meu cunhado registrou um mês atrás na região central do Rio de Janeiro. Próximo a um bar, no bairro Glória, um morador de rua (foto) faz uma pausa para mergulhar silenciosa e atentamente na leitura. Ele redime a todos nós. De minha parte, preferiria conversar com ele do que com a funkeira pensadora, ou com o atorzinho ou com o ex-presidente.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 11 de abril de 2014)

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