sexta-feira, 4 de abril de 2014

Mão na enxada

Da janela da sala em meu apartamento, observo o andamento de uma obra pública lá embaixo, que, quando concluída, resultará em uma área de lazer inédita para o bairro, com pista para caminhadas, banquinhos, pracinha, aparelhos de ginástica, essas coisas. Com tudo isso a meu dispor a poucas quadras de casa, prevejo em mim o redespertar do ânimo para empreender caminhadas diárias e exilar o sedentarismo, o que me anima.
Mas o que me desanima é o ritmo da obra. Ao longo da tarde em que passo no meu escritório caseiro (“home office”, em bom português), dirijo-me de tempos em tempos à janela da sala para verificar em que estágio se encontra o andamento do trabalho lá embaixo, ávido que estou pela sua conclusão. E aí, me desespero. Vejo lá os três homens de sempre, que já reconheço como os incumbidos da tarefa, mas seus ritmos diferem entre si. O de camisa azul está lá no canto da quadra, enxada em punho, puxando e nivelando a terra que tira de um montinho ao lado. Já os outros dois, um de camisa branca e outro de cinza, escoram as mãos sobre os cabos de suas respectivas enxadas, cada um ao lado de seu intocado montinho de terra, e conversam.
O quadro não se altera nos cinco minutos em que os observo, até retornar ao computador e às minhas próprias tarefas. Uma hora mais tarde, faço nova pausa e volto à janela, para espiar. E tudo segue igual como dantes. O de azul, puxando terra. Os dois outros, olhando e conversando. “Bom, Marcos, se o que você quer é exercício, por que não desce lá, arranca uma das enxadas do queixo de um daqueles dois e se bota a puxar terra junto com o outro?”, pergunta meu Grilo Falante. Mando-o calar a matraca e volto ao trabalho.
Mais uma hora se passa. Assento-me em minha torre de observação e, dessa vez, detecto que o cenário se alterou um pouco, com a chegada de um quarto elemento, esse, de camisa amarela. Camisa amarela e enxada na mão. Mas nem a camisa amarela e nem a enxada parecem exercer sobre o quarto elemento o efeito de injetar ânimo ao trabalho, porque opta pelo grupo dos conversadores de queixo escorado.

O de azul segue lá, impávido, puxando e aplainando terra, sozinho, a tarde inteira. Não fica sabendo das fofocas compartilhadas pelos outros três. Apenas puxa e aplaina terra para que, um dia, eu retome minhas caminhadas. Até lá, ainda tenho muito a fazer. Volto ao computador, porque a minha terra ninguém puxa.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 3 de abril de 2014)

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