domingo, 9 de março de 2014

O despertar da pessoa

Deu muito tomate nas terras de meu sogro, este ano, e tive a oportunidade de participar, dois meses atrás, de um mutirão familiar dedicado a transformar quilos e quilos (transportados em cestas e cestas) do fruto (porque tomate, senhores, é um fruto) em massa de tomate para guardar depois em potes e utilizar na culinária quando for o caso de preparar molhos para macarrão, para polenta mole, para risoto, e o diabo de escrever uma crônica dessas no meio da manhã é que começo a salivar e a desejar que chegue logo o horário do almoço.
Mas estávamos nós lá, agrupados em torno da tomataiada (qual o coletivo de tomates?), cada um desenvolvendo a tarefa que lhe fora destinada (uns lavando os tomates, outros cortando-os em cruz e jogando-os em um tonel com água no qual os mais habilidosos os iam esmagando para tirar-lhes as sementes e assim por diante), enrubescendo as mãos e compartilhando “causos”, quando a destreza de determinado membro da família chamou a atenção de todos. O indivíduo em questão (que não vou identificar por medo de ganhar menos presentes no Natal, é preciso pensar a longo prazo) demonstrava uma habilidade ímpar, e até então velada, em desempenhar com maestria todas as etapas daquele processo tomateiro, impressionando a todos.
Generosos e expansivos como somos, não poupávamos comentários elogiosos ao cunhado em questão (ahá... mas eu não disse cunhado de quem!), até que meu sogro, do alto de sua calma e sabedoria, resumiu tudo em uma frase: “Isso é o despertar da pessoa”. Aquilo calcou fundo na alma de cada um. Facas pairaram suspensas no ar por alguns segundos; borbulhas na tina de tomate estouraram silenciosas; movimentos ritmados cessaram; olhares se cruzaram. Isso tudo durante uma fração de segundo, lógico, porque logo seguimos adiante na balbúrdia porque o sol nunca para e ainda era preciso cozinhar aquilo tudo num tacho fervente e depois lavar as calçadas e fazer o almoço e descascar pêssegos e...
Mas o fato é que, em paralelo ao extrato que extraímos dos tomates naquela manhã de janeiro, extraiu-se da sentença de meu sogro a compreensão de que sempre haverá, em algum momento de nossas vidas, o despertar da pessoa. Nem que seja esmagando tomates. Ou lendo um livro. Ou escutando a história de alguém. Ou observando o mar. Ou na tristeza. Ou na alegria. Importante é que, em algum momento, a pessoa desperte. Não dá para passar a vida adormecido.

 (Crônica publicada no jornal "Pioneiro" em 8 de março de 2014)

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