quarta-feira, 19 de março de 2014

A lenda das mil garças

Sob o título “O Último Trem de Hiroshima”, o escritor norte-americano Charles Pellegrino relata a história real e fantástica de um grupo de pessoas que sobreviveu à explosão da bomba atômica lançada pelos Estados Unidos sobre Hiroshima, em 6 de agosto de 1945, ao final da Segunda Guerra Mundial. O destino transformou essas pessoas em um caso especial porque elas, no dia seguinte à explosão, embarcaram em um trem que as levaria para longe daquele cenário de horror. O destino era a cidade de Nagasaki, a 300 quilômetros dali.
Chegaram e, no dia seguinte, em 9 de agosto, a segunda bomba atômica era despejada justamente sobre Nagasaki. Dos trinta viajantes vindos de Hiroshima naquele trem, meia dúzia sobreviveu à segunda explosão. Leio o livro e acompanho os relatos desses inimagináveis personagens reais sem conseguir decifrar se eles representam o grupo de pessoas mais azaradas ou as mais sortudas da história do mundo. Mas entre todos os relatos, um em especial me chama a atenção.
Trata-se da história da menina Sadako Sasaki, que tinha dois anos quando saiu viva da explosão em Hiroshima (ela não integrou o comboio que rumou a Nagasaki). Os efeitos da radiação atômica começaram a se manifestar em seu organismo no início de 1955, quando ela tinha 12 anos, na forma de uma agressiva leucemia. Desenganada, foi internada no hospital de Hiroshima em março de 1955, lutando diariamente contra a dor e contra a morte iminente. Após a visita de uma amiga, aprendeu a fazer origamis em forma de garças de papel (chamados “tsurus”) e conheceu a lenda dos mil tsurus, que diz assim: se você fizer mil dobraduras de pássaros em papel, ao final, terá direito ao maior desejo de sua vida.
Imediatamente, Sadako passou a produzir tsurus em seu leito no hospital, acalentando um desejo secreto. Com o passar do tempo (que lhe era escasso), foi aumentando o grau de complexidade de seus tsurus, revelando ao final que o número de tsurus não importava, mas, sim, deveria era colocar toda a essência de sua alma na confecção de cada um deles.

Sadako morreu em outubro de 1955, após ter confeccionado cerca de 660 tsurus. Seu irmão revelou depois que o desejo dela residia em um mantra pessoal resumido pela palavra “omoiyari”, que significa: “em seu coração, sempre pense na outra pessoa antes de você”. Ela acreditava que, se todos adotassem esse mantra, não haveria mais guerras nem bombas atômicas no mundo. E que o caminho para isso era cada um adotar o mantra começando pela sua atitude em relação às pessoas mais próximas. Até porque, o fundamental é, antes de tudo, tentarmos desarmar a bomba atômica que às vezes reside dentro de nós mesmos.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 19 de março de 2014)

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