domingo, 16 de fevereiro de 2014

Murro em ponta de faca

Eu estava determinado: dessa vez, eles não iriam me vencer. Para tanto, precisei de semanas de preparativos e empreendi muito esforço mental para conseguir, no final, atingir meu objetivo. Queimei pestanas, singrei madrugadas insones com a mente labutando, pesquisei na internet, consultei livros e especialistas, em resumo: fiz toda a lição de casa. Quando me senti preparado, rumei para a segunda parte dos preparativos: arranjar fotocópias de todos os documentos.
Sim, porque essa é a parte crucial de todo esse processo: ter em mãos, ou na pastinha, ou na bolsa, todas as fotocópias necessárias para levar a bom termo aquele desafio ao qual você se propôs: renovar, ou mesmo, abrir seu cadastro em determinada instituição (ou repartição, ou órgão, ou empreendimento, ou o que quer que seja). Levantei bem cedo naquele dia, antes mesmo do cantar do galo, liguei o motor do carro e fui até o centro, providenciar as fotocópias.
Feito isso, estava pronto para enfrentar o desafio. Cheguei ao local (uma repartição? Um órgão? Uma instituição? Um estabelecimento? Um cabeleireiro? Um Clube de Bridge?), peguei minha ficha e aguardei, o pé chacoalhando ansioso, um risinho no canto da boca, meu eu inteiro tomado por um só pensamento: “vocês vão ver...”. Quando chamaram meu número, lá fui eu, pronto para a batalha. “Carteira de Identidade”, foi logo dizendo a atendente. “Tó”, disse eu, sacando a carteira e já a cópia. “CPF”, ela rebateu. “Já consta na Carteira de Identidade, mas mesmo assim, aqui está”, respondi. “Comprovante de residência”, pediu ela. E eu: pimba! Ela: “Certidão de Casamento”. Eu: pimba! “Certificado de Reservista”. Pimba! “Carteira de Motorista”. Pimba! “Carteira de Vacinação”. Pimba! “Comprovante de que votou na última eleição”. Pimba! “Registro em Cartório de que gosta da cor verde desde sempre”. Pimba! “Em três vias, sendo uma autenticada, senhor”, disse ela, achando que havia me derrotado. Mas eu: pimba, pimba, pimba e pimba! “Atestado de óbito do gato”. Pimba! “Carteirinha de cronista”. Pimba!
Ela desistiu. Pude ver a expressão de derrota no olhar dela. Preencheu o formulário em silêncio, vencida, e, para finalizar o trabalho, estendeu a mão para receber, por fim, as fotinhos três por quatro. Diacho! Eu esquecera as fotos três por quatro! É, não foi dessa vez...

 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 15 de fevereiro de 2014)

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