sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Mal na foto

A Senhora X e eu fomos colocados em contato por intermédio de uma amiga em comum sabedora de nosso interesse pelo desenvolvimento de determinadas pesquisas históricas. Por e-mail, trocamos informações preliminares e marcamos de nos encontrar certa tarde na casa dela, a fim de nos conhecermos e darmos início a uma parceria que viria a ser útil a ambos. Até aí, tudo bem. Ela me recebeu efusiva, feliz por me ver em pessoa, leitora que se disse ser de meus textos aqui, acolá e alhures. Problema foi quando apareceu o marido.
Também simpático, ele chegou na sala, apertou minha mão, olhou-me fixo nos olhos por alguns instantes, observou minhas feições e sentenciou: “Você não se parece com a foto do jornal”. Desconcertado, pensei rápido e apelei para meu tradicional humor duvidoso: “Sim, o senhor tem razão. Sou mais bonito ao vivo”. Ele deu uma risadinha e saiu da sala, deixando-me com a impressão de que discordava de meu argumento.
Porém, o que o marido da Senhora X conseguiu foi infestar minha orelha com pulgas. Por que diabos eu haveria de não me parecer com a fotinho que encabeça ali a coluna? Estaria ela desfocada? Embaçada? Aguada? Ou pior: e se nada houver de errado com a foto, mas sim com minha imagem real ao vivo? E se o aguado, o desfocado e o embaçado for eu mesmo, em carne e osso e óculos?
Procuro me confortar recordando que já houve vários casos em que desconhecidos me reconheceram na rua justamente devido à foto no jornal. Tudo bem que certa vez um deles me cumprimentou entusiasticamente por uma crônica maravilhosa que na verdade fora escrita pela Maria Helena Balen. Recebi o elogio constrangido e me ralando de inveja da Maria Helena, naturalmente. Mas não quis esvaziar o entusiasmo do leitor em relação ao texto que, de fato, era ótimo, como não poderia deixar de ser. Fico até hoje me segurando para não telefonar à Maria Helena e perguntar se já ocorreu de ela receber cumprimentos equivocados (e entusiasmados) por escritos brilhantes de minha autoria atribuídos a ela, mas temo descobrir que “não, nunca, querido, mas não se preocupe, você escreve direitinho”.

Isso tudo me faz desconfiar de que talvez eu possa estar mesmo meio mal na foto. Preciso me parecer visualmente comigo mesmo, e urgente. Ficarei assustado se amanhã ou depois alguém passar pela rua e me cumprimentar dizendo: “Olá Maria Helena, belo texto hoje”!
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 20 de dezembro de 2013)

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