segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

De olhos bem abertos

Talvez contar carneirinhos possa ajudar. Nas histórias em quadrinhos lidas na infância, o método sempre funcionava com Mônica, Cebolinha e Pato Donald, em suas noites de insônia. Eu não sofro de insônia, normalmente sou ótimo de cama, deito e durmo. Porém, dessa vez, já são três da madrugada e nada de cerrarem-se as cortinas de minha vigília. Aos carneirinhos, então.
Pelo que me lembre, é preciso arrebanhar uma centena de carneirinhos fictícios e reuni-los nas proximidades de uma cerca, ali posicionada para que saltem um a um por ela. Você, o insone, os vai contando ao saltarem e o segredo reside no fato de que, devido à repetição monótona do pulo dos carneirinhos, o sono acabe chegando sem que se perceba. Vamos lá. Imagino um prado, uma relva linda, um dia de sol, muito sol. Bem claro, muito iluminado. Não. Stop. Luz demais. Assim jamais conseguirei dormir. Essa carneirada que me desculpe, mas vão saltar é no escuro mesmo.
Mudança de cenário. Ainda o mesmo prado e a mesma relva, mas agora à noite. No céu, lua e estrelas. E apague aquele grilo, que o cri-cri dele também não vai me deixar dormir. Tá mas agora desgarraram-se dois ou três carneirinhos. Não posso fazer isso com apenas 96 ou 97 bichos. É preciso 100 exatos, porque vai que o sono se esconda exatamente no salto do 99º. Alguém os traga de volta, por favor. Foram certamente para lá, naquele matinho, junto ao qual passa um córrego. Aliás, boa ideia, também tenho sede.
Levanto da cama e vou à cozinha, beber água. Três e meia da matina e a madrugada corre livre, me deixando aqui, desperto e sozinho. A coisa vai mal. Mal para mim, mas não para minha esposa, que há horas exercita o sono dos justos naquela cama, de forma invejável. Até parece provocação.
Volto para o leito, esperançoso de que o sono da esposa possa ser contagioso. Vou encostar meu pé no pé dela, e roubar-lhe sono. Deito-me, meu pé procura o pé dela sob o lençol, e o encontra. Encosto e, de imediato, ela se mexe, dá um pulo, salta da cama, vai ao banheiro, retorna um minuto e meio depois, se deita e retoma o sono. Fico pensando se de fato ela chegou a acordar para fazer isso tudo.

Sou acometido por grande inveja. Insônia e inveja. Insônia, inveja e angústia. Inveja, angústia, insônia e cansaço. Insônia, cansaço, invezzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 6 de dezembro de 2013)

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