quarta-feira, 13 de novembro de 2013

A hora do polvo

Existem períodos na vida em que você se sente como se fosse um polvo, o par natural de mãos transformado em oito tentáculos imaginários que escapam do seu controle, parecendo terem vida própria e agindo cada um deles independentemente de sua vontade. A cintura como que se alarga sem aviso prévio, os pés se transformam em patas de ornitorrinco e pronto, a receita está completa para que você vire um desastre ambulante durante certo lapso de tempo. Quanto mais curto, melhor e menos pernicioso para si mesmo, para os que o cercam e para o ambiente que o envolve.
Situação dessas pairou sobre mim numa noite de sábado, quando decidi receber pessoas para jantar em minha casa. As coisas iam seguindo tranquilamente o roteiro imaginado até que, de repente, sem nenhum aviso, o deus dos desastrados se esgueirou pela fresta da porta de entrada e se instalou em meu corpo, fazendo surgirem os tentáculos de polvo, as patas de ornitorrinco e a cintura de hipopótamo. Foi o que bastou para, em questão de minutos, eu me botar a aprontar uma sucessão inimaginável de gafes.
Primeiro foi a garrafa de espumante, que desavisadamente foi colocada no congelador, coisa que não se faz, mas foi feita e resultou na consequência danosa: a rolha emperrou teimosamente e tive de lançar mão (tentáculos) a um método nada ortodoxo para sacá-la fora utilizando uma chave inglesa. Tentáculos são mais fortes do que mãos humanas e o golpe desferido arremessou a rolha ao teto, machucando o gesso novinho da cozinha, o que fez minha esposa exclamar “oh”.
Na sequência, por imaginar que o cunhado preferia cerveja, rodopiei com a cintura de hipopótamo rumo ao congelador equipado com um excepcional gancho para segurar latinhas, no qual procurei encaixar uma delas e, errando a mira, furei o produto, irrigando cerveja por toda a sala, cozinha, piso e cunhado, que por sua vez exclamou o seu “oh”. Para completar, na hora do jantar, ao tentar pinçar um suculento pedaço de filé para meu prato, na volta do cotovelo esbarrei em meu cálice de espumante e verti-o na toalha nova, banhando a mesa, as cortinas da sala e o corpo inteiro do afilhadinho de um ano e meio que se postava ao meu lado. Nesse momento, o “oh” foi em uníssono (exceto a criança, que ria).

Segundo me ensinaram meus familiares, esse deus dos desastrados é facilmente exorcizado com boas risadas e alma leve. Sorte minha. E deles.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 8 de novembro de 2013)

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