segunda-feira, 9 de setembro de 2013

O segredo das coisas

Há alguma coisa em certas coisas que faz com que essas coisas sejam coisas diferenciadas do restante das coisas. Se você se der ao trabalho de ler novamente a frase de abertura desta crônica, perceberá que, dessa vez, estou coberto de razão. Mas vou dar um exemplo para ser mais claro e consolidar essa minha teoria filosófica, fruto de anos de observação e reflexão.
Tomemos a questão dos pastéis. A princípio, tendemos a crer que pastéis são pastéis e pronto. Mudam os recheios, certo, especialmente nos dias de hoje, em que tudo parece ser válido para atender aos gostos da freguesia, por mais heréticos que possam ser (há pastéis de anchovas, acreditem), porém, para efeitos de demonstração aqui nesta crônica, quando falarmos em pastéis estaremos nos delimitado aos tradicionais acepipes empanturrados com um tradicional guisado mesmo, combinado? Então: os pastéis. Pastéis são pastéis, porém, você haverá de concordar em discordar comigo, dizendo: “sim, pastéis são pastéis, porém, os pastéis da Tia Rosvilda são os melhores do mundo”. Eu não conheço os pastéis feitos pela sua Tia Rosvilda, mas aceito como válida sua observação porque ela contém a verdade universal que desejo aqui externar. Pastéis são pastéis, coisas são coisas, mas há alguma coisa nos pastéis da sua Tia Rosvilda que...
O que será essa coisa que faz com que o pastel dela, apesar de ser pastel, e de guisado, como tantos outros ao redor do mundo e das rodoviárias, que faz dele um diferencial entre a massa ignota dos pastéis universais? Onde reside o segredo da diferença? Na forma cadenciada de Tia Rosvilda mexer o guisado na panela escutando Odair José no radinho de pilha vermelho? Na saudade de um amor secreto escondido em seu coração, despertada sempre que faz pastéis, quitute que costumava compartilhar com aquele lindo mancebo nos anos de sua distante juventude? Você não sabe, eu não sei, mas algo há nos pastéis da Tia Rosvilda que os fazem ser coisa diferente de todas as coisas, sendo aparentemente a mesma coisa.

Talvez também não haja coisa alguma nos pastéis da Tia Rosvilda e o segredo da coisa resida dentro de você mesmo, na forma como trabalha internamente a poesia de seu universo particular, conferindo significados especiais às coisas aparentemente banais que compõem a sua existência. Mas agora migramos dos pastéis para a filosofia, o que desperta minha fome. Preciso urgentemente de um pastel da lancheria de Espumoso...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 9 de setembro de 2013)

Nenhum comentário: