quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Todo o dia...

Existem tarefas domésticas das quais eu não gosto. Uma frase assim beira o pleonasmo, ou seja, uma redundância em si própria, uma vez que dificilmente existirão tarefas domésticas das quais se possa genuinamente gostar (entendendo-se por “tarefas domésticas” somente – e tão somente – aquelas referentes à prática da limpeza e dos serviços gerais que mantêm uma casa em ordem). Portanto, o mais correto seria iniciar este texto dizendo que existem tarefas domésticas das quais desgosto mais do que de outras. Assim sendo, comecemos daqui, leitor:
Existem tarefas domésticas das quais desgosto mais do que de outras (agora, sim, não precisamos de parênteses explicativos, mas eis que um já se infiltra aqui, parece até vicio). E não há muita explicação lógica ou racional para os gostares e os desgostares quando se trata da relação de determinada pessoa com a gama quase infinita de tarefas domésticas que podem existir. Eu, por exemplo, prefiro lavar louça a secar a louça. Considero o ato de secar a louça como uma desnecessária perda de energia e de desgaste de panos, uma vez que a louça, mais cedo ou mais tarde (dependendo da umidade relativa do ar daquele dia), acabará secando-se sozinha, sem que eu tenha de interferir nesse processo (a humanidade evolui continuamente e haverá de chegar o dia em que a louça lavar-se-á também por conta, quem viver verá, afinal fornos e gatos já atingiram o estágio de autolimpantes, basta seguir-lhes o exemplo).

Mas o que detesto mesmo é tirar a roupa da máquina de lavar e estendê-la nas cordinhas do varal na área de serviço. Não sei o motivo, mas odeio fazê-lo, me dá uma agonia, uma ânsia, aquelas roupas semiúmidas, o embaraço das cordas, os prendedores que me saltam das mãos como piruetas de gafanhotos... Pior é quando a esposa está por perto e grita de lá que é preciso chacoalhar as peças de roupas antes de prendê-las no varal, para que não sequem retorcidas. Eu não sei chacoalhar as roupas molhadas. Não tenho habilidade para isso e me embanano todo no processo. Chacoalho uma camisa e parece que estou perseguindo mosquitos, me torcendo todo... Minha esposa observa a cena e invariavelmente grita de lá de novo: “É para chacoalhar as roupas, não o traseiro”. Assim não dá. Prefiro limpar o vaso. A cada um as atribuições que seu talento permite.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 14 de agosto de 2013)

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