quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Oba, catapora!

Uma das melhores coisas do mundo é pegar doença de criança quando se é criança. Muitas vezes nem chegava a ser doença: bastava um resfriado mais forte que trouxesse no pacote tosse, um risquinho de febre no termômetro, espirros de intumescer lenço de pano, dor na garganta e sonolência, que mães e avós, tias e irmãs mais velhas (nessas horas, zelosas) já tratavam de nos entrincheirar debaixo das cobertas, sob ordens expressas de não sairmos dali nem por decreto, o que nos púnhamos a cumprir sem pestanejar, especialmente por aquilo significar faltar às aulas de forma prá lá de justificada, o que, no fundo, era uma imensa satisfação.
Que eu me recorde, fora essas gripes sazonais, escapei de males maiores como coqueluche, sarampo e caxumba, que muito transtornaram vários de meus coleguinhas, mas capitulei na catapora. Um belo dia, minha pele inteira amanheceu pipocada de pequenas erupções circulares avermelhadas, desde o couro cabeludo até o último dedo do pé e, pimba, nada de aula para mim. Quarentena direto, devido ao alto poder de contágio daquela coisa. Meti o pijama listrado, arrebanhei a pilha de histórias em quadrinhos de que mais gostava, juntei alguns livros de Monteiro Lobato e da coleção juvenil da Ediouro e dirigi-me ao bunker em que minha cama se transformava nessas ocasiões, decidido a sair de lá somente pela força da cura.
No bidê ao lado da cabeceira, além dos remédios receitados pelo médico da família, minha mãe aquartelava os biscoitos de que eu mais gostava (Lanche Mirabel, a “Merendinha”), uma jarra de suco (pois que hidratação é vital numa hora dessas), um Danoninho (na época, só havia sabor morango) e barras de Chokito, Kri e Lollo. Minha irmã, rubra mas de inveja, colocava os cadernos na pasta e marchava à escola, torcendo para ser contagiada também por aquelas pintinhas que me transformavam em joaninha, para poder desfrutar das mesmas regalias com as quais me paparicavam. No que dependesse de mim, não melhorava nunca, porém, a evolução das brotoejas cataporais desmascarava qualquer manobra que eu quisesse inventar na tentativa de prolongar a situação e logo estava pronto para (raios!) retornar às aulas.
A infância é mesmo um presente de curta duração. Depois que se fica adulto, adoecer perde completamente a graça.


 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 15 de agosto de 2013)

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