quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Do outro lado da rua

Tarde de domingo agradável, sem chuva, sem umidade, sem frio. Uma repentina folga das inclementes agruras climáticas que agosto vem impondo este ano. O sol dá umas espiadinhas pelos cantos das nuvens brancas, mostrando que ainda é amigo apesar de tudo e continua existindo, sim, mesmo que não tenha dado muito as caras ultimamente. A movimentação do meio-dia já se aplacou a essas horas de meia-tarde e a modorra dominical se impõe ao cotidiano de muitas famílias, que saboreiam cada uma a seu modo essas doces horas de nada ter de fazer, fazendo então as coisas que nessas horas se faz só por querer.
Da janela do escritório, no qual mesmo aos domingos escrevo livros, matérias jornalísticas e essas croniquetas, chega a mim a movimentação da rua e, do lado de lá da rua, estampa-se na paisagem a casa do vizinho. E lá está o vizinho, olha só, com o ar de domingo estampado no rosto e dando o ritmo de seus movimentos ao buscar para a varanda a cadeira de abrir, na qual se senta. Logo atrás segue a vizinha, com outra cadeira e uma cuia de chimarrão na mão. Nos rostos, óculos escuros, porque o sol, mesmo que tímido e bem-vindo, segue sendo o sol e é bom não facilitar.
Organizado o cenário, o vizinho, então, apoia em uma das pernas um livro e começa a ler. A julgar pela visão que tenho daqui, concluo que ele iniciou agora mesmo a leitura do livro, já que poucas são as páginas que ele sustenta abertas com a mão esquerda, permanecendo o grosso da obra a ser lida no outro lado, que a perna sustenta. Não posso ver pessoas lendo livros que sou invadido por uma agoniante sensação de curiosidade literária. Que será que lê o vizinho nessa tarde de domingo? Que autor lhe estará a capturar a atenção em uma tarde luminosa como essa? Se obra de ficção, qual o gênero? Um romance? Contos? Se não-ficção, qual o tema? Uma biografia? História? Um tratado científico?
Gosto quando leem livros perto de mim: num café, no ônibus, na sala de espera, na beira da praia, no banco da praça. Nesses raros momentos, invade-me uma sensação de pertencimento a uma irmandade anônima e silenciosa, da qual aquele leitor naquele instante se faz representante. Findou o domingo sem que eu soubesse o que lia o vizinho. Porém, fiquei sabendo que o vizinho lê, o que, cá para nós, é o que basta.
 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 21 de agosto de 2013)

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