quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Dia de cartão postal


Um doce e gélido espírito infantil nos invade quando acontece essa coisa de nevar. As pessoas saem às ruas com sorrisos largos a tomar-lhes a área dos rostos e lançam-se para fora do aconchego das casas sem dar bola ao frio de encarangar pinguim que rola na rua. Tudo para ver a neve, curtir a neve, produzir bolas de neve e jogar na namorada para vê-la dar gritinhos, fazer fotos para compartilhar com os amigos nordestinos pela rede social (eles lá, de calção e chinelo de dedo, morrendo de inveja de nós aqui, embalsamados em casacos e mantas), moldar desajeitados bonecos de neve com as crianças e fazer de conta que se está em Aspen.
Um espesso cobertor branco pairou ontem por sobre toda a cidade ao raiar do dia nessa nossa Caxias do Sul que, este ano, vem penando um inverno rigoroso como aqueles de nossa saudosa infância (nessas horas é que nos certificamos de que “saudosa” mesmo era a infância, mas não o rigor do inverno). Já de manhã cedinho a rua é invadida por vizinhos que desentocam para brincar e fotografar a paisagem de cartão postal europeu que se descortina no jardim de suas próprias casas. “Que belo presente”, me diz um desconhecido passante, em meio a um sorriso que mal aparece, ensanduichado entre a gola alta do blusão e as abas da touca a cobrir-lhe as orelhas.
Mais adiante, esquina abaixo, um automóvel para no meio-fio e despeja uma família completa que salta a construir bonecos de neve. Os dois que eu tentara fazer ainda na noite anterior, quando a nevasca se iniciara, jazem semimortos ao lado da cerca, meio derretidos, pendendo ambos para o mesmo lado. Coitados. Confesso que desde a origem eles pouco lembravam o formato clássico dos típicos bonecos de neve norte-americanos que vemos nos filmes, dada a minha incompetência (ou inexperiência) em produzi-los, haja vista a rara frequência de nevascas desse porte por aqui. Estavam mais era para anões estropiados de jardim e, se eu tivesse levado a cabo a intenção de construir sete deles, teria feito uma foto em meio à turma e postado na internet como “Marcos Frionando, o Branco de Neve e seus Sete Anões”, mas fui demovido da ideia por um providencial chamado para dentro porque eu iria acabar “pegando uma gripe daquelas”.

Essas neves decenais nos aliviam momentaneamente os espíritos e descongelam a criança que, quando queremos, ainda guardamos escondidinha nos freezer de nossas almas. Devia nevar mais por essas plagas...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 28 de agosto de 2013)

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