terça-feira, 6 de agosto de 2013

Bon appétit, inimigo!

Abri o site da versão eletrônica daquele jornal que sempre leio e estava ali a chamada, ao pé da tela: “Cozinhe para seus inimigos”. Uma fotinho exibindo um prato fumegante com algum repasto certamente delicioso ilustrava o link, que dava acesso a uma das páginas de gastronomia que costumo visitar em busca de receitas que depois tento reproduzir em casa para a esposa, algumas vezes com relativo sucesso.
“Cozinhe para seus inimigos”... Tirei o olhar da tela e fiquei fitando o vazio, o queixo erguido, o olhar passeando pelos cantos do teto, de onde uma teia de aranha balouçava desdenhosamente, colocando em xeque minhas habilidades de faxineiro, uma vez que ontem mesmo eu metera a vassoura por ali e até então tudo ia bem, mas depois eu vejo isso. Mantive em suspenso minha intenção de clicar logo no link e conferir a matéria gastronômica brotada da surpreendente mente do jornalista que bolara aquela pauta inusitada, sugerindo convidar os inimigos para um banquete em sua casa, preparado por você, num gesto de papal e franciscana boa-vontade como jamais se ousara imaginar antes da mais recente visita do sumo pontífice ao nosso país.
“Pois sim”, fiquei matutando... “Cozinhar para meus inimigos”... A proposta soava como uma admoestação bíblica e imaginei Jesus Cristo convidando Pôncio Pilatos, Judas, Caifás, Satanás e outros vilões para cearem com ele um jantar fraterno regado a pão e vinho. Depois criei na mente a imagem de Barak Obama recebendo nos salões ovais da Casa Branca Saddam Hussein, Osama Bin Laden, Muamar Kadafi, o Aiatolá Khomeini e Fidel Castro para juntos destroçarem amigavelmente um peru de Dia de Ação de Graças, conclamando à paz mundial.
De minha parte, tive dificuldade em inventar inimigos para comigo apreciarem algo advindo de minhas panelas, e priorizei o enfoque de meus devaneios em direção ao cardápio que eu organizaria para a especial ocasião. Será que meus supostos inimigos apreciariam trufas gratinadas ao mel? Ou um gaspacho com mix de folhas verdes? Um suflê de cenouras? Um modesto ratatouille?
Súbito, saí do devaneio e pousei de novo o olhar sobre a chamada na tela, disposto a ler a matéria: “Cozinhe para seus amigos”. Epa! “Amigos”, não “inimigos”! Meus olhos haviam lido errado e a chamada, na verdade, era prá lá de trivial. E eu aqui, já cozinhando crônicas...

 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 6 de agosto de 2013)

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