quarta-feira, 17 de julho de 2013

Talento vindo do nada é ficção

Não, não, não adianta. Lamento muito, mas simplesmente não tem outro jeito. Você não vai aprender a escrever bem, a organizar as ideias com coerência, a redigir com correção sem macular seu texto com erros grotescos de escrita, a apresentar ao leitor um estilo criativo e agradável, que valha a pena ser lido, se você não se transformar em um grande leitor. E para ser um grande leitor, você precisa ler livros. Livros de literatura, especificamente: contos, novelas, romances, crônicas, poesias, teatro, essas coisas.
É assim que funciona, e pronto. Não existe fórmula mágica para nada na vida, e essa lei (nada mágica) também se aplica ao domínio da ferramenta da escrita. Para ocupar um espaço na imprensa, ou no atual mundo virtual, ou mesmo nas estantes das livrarias, você precisa honrar o ofício em que pretende se envolver (como, aliás, em qualquer outra área de atividade), e dedicar tempo, suor e esforço a aprimorar-se nele. A coisa, meu amigo, não cai do céu, por mais que você deseje (se essa coisa for chuva, acaba caindo, sim, mas nem sempre na hora em que você espera, veja bem). De resto, repito, é preciso esforço pessoal, caso contrário, você jamais vai passar de um franco-atirador, que se desmascara a cada linha que (mal) traça, engambelando alguns poucos durante pouquíssimo tempo. Você será sempre apenas mais um aventureiro querendo fazer na marra aquilo que os outros se preparam a sério para fazer.
Tracemos paralelos, para que a compreensão melhor se dê. Um campeão olímpico de natação, por exemplo. Precisa treinar durante muitos anos, desde pequenino, todos os dias, várias horas ao dia, para chegar ao ponto de competir em uma Olimpíada e levar para casa a medalha de ouro. Em o fazendo, terá superado uma penca de outros iguais a ele, tão bons quanto ele, que também se esforçaram tanto quanto ele mas que, aí sim, naquele específico dia, nadaram uma fração de segundo mais lerdos do que ele. É só aí que entra em cena a sorte, o imponderável. O inexplicado só acontece para aqueles que se prepararam com seriedade para receber as benesses desse inexplicado.  
Eu, por exemplo, que não nado nada, jamais serei campeão olímpico de natação, e, se me jogarem na piscina olímpica junto aos competidores, afundarei igual a uma pedra de basalto, mas não conquistarei a medalha olímpica, nem por ação do inexplicado, nem por milagre, porque aqui se trata de mundo real, e não de ficção. A ficção reside é nas páginas dos tais livros, que a gente lê justamente para melhor compreender a realidade, por meio de seus paralelos e metáforas. E assim como eu não nado nada, também quem não lê (livros, literatura) não escreve nada. E ponto.
Lamento, não é birra minha. Simplesmente é assim, e os exemplos estão aí, falando por si próprios. Pedras não respiram, ratos não voam, água molha, a Terra é redonda e quem não lê não escreve nada. E quem nada, nada.
Informar-se, ler jornais e revistas em busca de notícias, navegar em sites e blogs e sítios na internet atrás de atualizações, ler livros científicos para obter uma formação profissional, são atividades inerentes à vida de todos os cidadãos que se inserem no mundo. Porém, somente a leitura de literatura habilita esse mesmo cidadão a tornar-se escritor e a ocupar sem desconforto (especialmente para os leitores) os espaços destinados a quem se dedica com seriedade ao meio (igual às piscinas olímpicas, que só são ocupadas por quem nada tudo).

Eu, de minha parte, não vejo a literatura como uma religião que deva ser defendida por missionários constantemente em busca de novos acólitos (quem lê sabe o que significa “acólito”, pois não?). Por mim, lê quem quer e não lê quem não quer. Só não tentem me convencer de que quem não lê consegue escrever bem. Porque não consegue. Para tanto, é preciso suar os olhos na leitura, conforme fazia, por exemplo, o saudoso jornalista e escritor Jimmy Rodrigues, falecido em junho deste ano, que em certas épocas de sua longa vida chegou a ler um livro por dia. Não foi por nada que escrevia de forma tão inigualável. Que pelo menos seu exemplo permaneça e frutifique.
(Texto publicado na seção "Planeta Livro" da revista Acontece Sul, edição de julho de 2013)

Nenhum comentário: