sexta-feira, 7 de junho de 2013

A questão postergada

Flagrante de Sir Parsifal cavalgando em busca do Santo Graal e do crescimento pessoal

Leio livros de literatura (ou seja, ficcionais) de maneira ininterrupta desde os dez anos de idade e fico estarrecido quando vejo depoimentos sustentando que esse tipo de leitura é perda de tempo. “Não perco tempo lendo historinhas”, já escutei alguém dizer. “Ao invés de ficar em casa lendo, prefiro sair para fora e viver”, disse outro, como se um coisa impedisse a outra.
Mesmo sabendo sair para fora e viver, e adorando as tais “historinhas”, minhas décadas de dedicação à leitura me têm proporcionado o recebimento de presentes inestimáveis sob o ponto de vista da compreensão da alma humana, o que, para mim, ao menos, se afigura como algo de vital importância e utilidade. Uma das “historinhas” que mais aprecio é a saga de Parsifal, o cavaleiro andante, descrita em livro ainda no século 13 pelo trovador alemão Wolfram von Eschenbach.
Numa versão livre de minha lavra, resumo a “historinha” assim: Parsifal vestiu sua armadura, pegou a espada, montou o cavalo e saiu ao mundo em busca do Santo Graal, o cálice sagrado no qual Cristo teria bebido o vinho na Santa Ceia. Em andanças repletas de aventuras, acaba deparando por acaso com o Castelo do Rei do Graal, onde é recebido na Corte. Porém, Parsifal percebe que o Rei está doente e, com sua doença, adoentado está o reino todo: a rainha, os vassalos, os animais, a natureza, tudo está doente. Jovem e inexperiente, Parsifal vê tudo aquilo e vai-se embora, mudo e calado.
Anos depois, um Parsifal mais maduro encontra-se novamente com o Castelo do Rei do Graal e entra. O Rei continua doente, bem como todo o seu reino. Dessa vez, no entanto, Parsifal faz a ele a pergunta: “Tio, o que te aflige?”. Ao levantar a questão que na visita anterior havia sido postergada, demonstrando preocupação, interesse e compaixão, imediatamente é restaurada a saúde do Rei e de todo o reino, e Parsifal recebe de presente o Santo Graal que tanto buscava. Tudo porque simplesmente fez a pergunta certa e estava disposto a ouvir.

O que aprendi com essa “historinha” é que, ao sairmos às vezes de nosso egoísmo autocentrado, nos dispondo a ouvir o outro com interesse, podemos estar redimindo o reino interior de alguém, com pouco esforço. Aprendi na literatura, com essas “historinhas”. Não acho que perdi tempo.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro" em 7 de junho de 2013)

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