sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

As agruras da Esmeraldina


Dona Esmeraldina teve um dia estafante ao longo da semana. Foi um estresse contínuo tentar encontrar vagas disponíveis nos shoppings da cidade, para estacionar com largueza a sua espaçosa caminhonetona carésima, adquirida para trafegar acima do nível do trânsito, lugar onde a altura alcançada por seu nariz é mais adequado à extensão de seu extrato bancário. Felizmente, sempre é possível taxiar e pousá-la ocupando o espaço de duas vagas, que certamente é criado nesses locais especialmente para ela e suas semelhantes parceiras do champanhe das cinco, quando colocam as cintilantes fofocas em dia.
Dona Esmeraldina não vê a hora, hoje, de se encontrar com as amiguinhas embrincadas, espocar uma Veuve Cliquot brut rosé e narrar suas peripécias perdulárias pelos corredores do Shopping Prataria, do Shopping Igarapé, do Shopping São Gastutino, do Shopping Tricô. Dona Esmeraldina, afinal, tem seus direitos, pois veio de baixo, nasceu em família trabalhadora humilde, casou com marido empreendedor e hoje tem casa na praia (e quando fala em praia, não está falando em litoral gaúcho, fique bem claro), viaja para o exterior uma vez a cada dois meses, lapidou o gosto e o paladar em restaurantes finos internacionais, sabe falar “merci”, trata os empregados como se fossem gente, essas coisas todas.
O que dá nos nervos da dona Esmeraldina, e isso ela vai comentar com as amigas hoje, são essas notícias de tragédias que a imprensa insiste em divulgar só para incomodar a vida da gente. “Vá lá, que noticiem uma vez que pegou fogo uma boate não sei onde, mas ficar insistindo nisso todos os dias, ah, pra que, me poupem. O que eu tenho a ver com a tragédia dos outros? Cada um tem a sua sina. Ninguém se preocupa comigo quando a concessionária atrasa seis semanas a entrega de meu novo caminhonetão grandão, e eu tenho de continuar circulando com essa velharia que já vai fazer seis meses de uso e desvaloriza a cada nova estacionada no shopping. Tenho o direito de não ser incomodada na minha bolha, ou melhor, na minha ostra, porque bolha é coisa de pobre e ostras geram pérolas, como essas aqui do colar que comprei hoje ali na...”
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 8 de fevereiro de 2013)

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