sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

A vertigem do passarinho


(No topo da árvore, no cimo do poste ou no meio da rua, casa de joão-de-barro é sempre casa de joão-de-barro)

O mundo muda constantemente desde que foi criado, colocando à prova os preconceitos, surpreendendo e encantando. Exemplo disso foi a notícia veiculada pelos jornais dia desses, acompanhada de foto, para não deixar dúvidas. O fato aconteceu em Tucunduva, na região noroeste do Rio Grande do Sul: um joão-de-barro construiu a sua tradicional casinha de lama e gravetos no chão de terra batida, no meio de uma estrada. Deve sofrer de vertigem o tal passarinho, mas seu medo de altura não lhe comprometeu a essência e, mesmo evitando o topo dos postes e o cimo das árvores, cumpriu a vocação de erigir um lar, ainda que ao rés do chão, e isso não o torna menos joão-de-barro do que os demais joões-de-barro que o circundam.
Não nos espantemos, pois, amanhã, quando nos chegarem notícias sobre o leão vegetariano que disputa mansamente com as zebras e as gazelas um lugar na savana para pastar a verde relva que garante a majestade de sua silhueta. Tampouco nos escandalizaremos ao saber do ex-bicho-preguiça que superou o sedentarismo de anos e hoje faz academia diariamente, objetivando participar da Corrida de São Silvestre. E que dizer da cobra-coral que abandonou o veneno e passou a aspergir perfume de rosas, virando forte candidata ao Prêmio Nobel da Paz? Não nos causará furor o caso do urubu que renegou a carniça para se tornar um renomado chef especialista em gastronomia asiática. Apreciaremos a bela história do pato que casou com a galinha por puro amor, depois de descobrirem o encanto de sua predileção compartilhada por suculentas minhocas aneladas.
O espaço para o preconceito perde terreno para a aceitação e a tolerância das diferenças nos dias de hoje, e quem se mantém apegado à imutabilidade das regras está fora de contexto. A diferença ganha espaço para se manifestar e exigir os direitos de existência e de permanência que justamente lhe competem, conquistando lugar ao sol. Em breve, inclusive, sequer os conceitos de “minorias” e “diferenças” farão mais sentido, dando lugar à plena e livre expressão dos seres. É o que ensina o singelo passarinho de Tucunduva. Então, atenção, imprudentes: no meio do caminho pode, sim, haver um ninho de joão-de-barro.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 11 de janeiro de 2013) 

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