(No topo da árvore, no cimo do poste ou no meio da rua, casa de joão-de-barro é sempre casa de joão-de-barro)
O mundo muda constantemente desde que foi criado, colocando
à prova os preconceitos, surpreendendo e encantando. Exemplo disso foi a
notícia veiculada pelos jornais dia desses, acompanhada de foto, para não
deixar dúvidas. O fato aconteceu em Tucunduva, na região noroeste do Rio Grande
do Sul: um joão-de-barro construiu a sua tradicional casinha de lama e gravetos
no chão de terra batida, no meio de uma estrada. Deve sofrer de vertigem o tal
passarinho, mas seu medo de altura não lhe comprometeu a essência e, mesmo
evitando o topo dos postes e o cimo das árvores, cumpriu a vocação de erigir um
lar, ainda que ao rés do chão, e isso não o torna menos joão-de-barro do que os
demais joões-de-barro que o circundam.
Não nos espantemos, pois, amanhã, quando nos chegarem
notícias sobre o leão vegetariano que disputa mansamente com as zebras e as
gazelas um lugar na savana para pastar a verde relva que garante a majestade de
sua silhueta. Tampouco nos escandalizaremos ao saber do ex-bicho-preguiça que
superou o sedentarismo de anos e hoje faz academia diariamente, objetivando
participar da Corrida de São Silvestre. E que dizer da cobra-coral que abandonou
o veneno e passou a aspergir perfume de rosas, virando forte candidata ao Prêmio
Nobel da Paz? Não nos causará furor o caso do urubu que renegou a carniça para
se tornar um renomado chef especialista em gastronomia asiática. Apreciaremos a
bela história do pato que casou com a galinha por puro amor, depois de
descobrirem o encanto de sua predileção compartilhada por suculentas minhocas
aneladas.
O espaço para o preconceito perde terreno para a aceitação e
a tolerância das diferenças nos dias de hoje, e quem se mantém apegado à
imutabilidade das regras está fora de contexto. A diferença ganha espaço para
se manifestar e exigir os direitos de existência e de permanência que
justamente lhe competem, conquistando lugar ao sol. Em breve, inclusive, sequer
os conceitos de “minorias” e “diferenças” farão mais sentido, dando lugar à
plena e livre expressão dos seres. É o que ensina o singelo passarinho de
Tucunduva. Então, atenção, imprudentes: no meio do caminho pode, sim, haver um
ninho de joão-de-barro.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 11 de janeiro de 2013)
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