Somos, por natureza, seres insaciáveis. Queremos sempre mais,
especialmente mais daquilo que nos dá satisfação. A começar pelo tempo de vida.
Queremos viver muito e, de preferência, para sempre. Se possível, gostaríamos
também de, dentro de nossas próprias existências, desfrutar de tudo aquilo que
detectamos haver de bom também na vida dos outros. Avançando mais um pouco,
gostaríamos até de poder vivenciar as sensações que outros experimentam ou
experimentaram, sejam elas boas ou más, sem que isso nos afete diretamente. E é
aí que entra em cena o papel das artes.
Exatamente isso é o que nos propicia a arte: a chance de vivenciarmos
experiências que não são as nossas, de vivermos vidas diferentes dessa que
protagonizamos desde que levantamos da cama para mais um dia. Ao folhearmos as
páginas de um livro, podemos estar durante algumas horas montados sobre um
cavalo chamado Rocinante e atacar doidivanasmente alguns moinhos de vento. Ao
assistirmos a um filme de Woody Allen, podemos perambular por Paris e, num
passe de mágica, retornar ao passado para reencontrar personalidades históricas
que admiramos. E paralelamente a isso, podemos inserir nos enredos pedaços de
nossa própria fantasia e imaginar situações que não estão impressas no livro ou
explícitas na tela do cinema, nem encenadas no palco do teatro, ou pintadas no
quadro ou flagradas pelas lentes do fotógrafo. Sobre o que pensa “O Pensador”,
de Rodin? Ora, isso decido eu, quando me ponho a observar a escultura, pois esse
é um poder que o desfrutar de uma obra de arte me proporciona.
A poetisa Vivita Cartier, antes de morrer de tuberculose em Criúva,
costurava de volta nos galhos das árvores as folhas que o outono derrubava ao
chão, em uma poética e metafórica tentativa de prolongar a vida que se lhe
esvaía pela tosse ingrata. “Mais luz!”, pedia Goethe em seu leito de morte. Na
entrelinha de sua frase, clamava mesmo era por um pouco mais de vida. Assim
como nos ensinou o escritor alemão com seu ato derradeiro, também nós podemos
obter essa “luz a mais” no transcurso de nossas existências por meio das
transposições de vidas que o saborear das artes nos proporciona.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 7 de setembro de 2012)
Nenhum comentário:
Postar um comentário