sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Súbito ataque lírico

Despertei meio sentimental, intoxicado pelo pólen da primavera que, quando a chuva não despenca, parece de fato existir por alguns períodos nessa nossa região serrana de clima insistentemente invernoso, a despeito do que tentam sugerir as folhinhas do calendário. Decidi então produzir uma crônica lírica e poética, para aproveitar ao máximo o estado de espírito enlevado que se apossava de minh’alma, o que bem sabemos não é sempre que acontece. Problema é que havia algumas pedras no meio das linhas.
A primeira delas é a que insiste em me lembrar que eu não sou poeta e que essa coisa de lirismo n’alma, apesar do apóstrofo que sempre fica poeticamente bem colocado em construções frasais que se pretendem sensíveis, se não for trabalhada com competência e talento, soa forçado e coloca por terra toda a tentativa. Problema dois é que acordei também acossado por uma ponta de teimosia, e segui insistindo em tentar tirar do forno das ideias uma crônica lírica para homenagear a primavera.
O caminho das entrelinhas prosseguia povoado por pedregulhos que teimavam em me mostrar que, por mais fingidor que se pretenda o pseudopoeta, se ele se bota a fingir completamente como propõe o lusitano afamado, sentirá deveras a dor que finge sentir e estatelar-se-a (será essa forma poética?) de fuças em meio a seu Tejo de incompetências literais. Era o que me estava acontecendo e, antes de murchar por completo, recorri ao dicionário em busca de termos poéticos e líricos que eu poderia espalhar pelo texto, a fim de pelo menos me aproximar de meu objetivo. Com a pinça de minha sensibilidade aleatória, pesquei de lá termos como “tanger”, “desvelo”, “alvura”, “conjuras” e “arquejos”, porém, não soube como aplicá-los de maneira que soasse lindo.
Nem a releitura rápida de meus poetas preferidos, como Pessoa, Drummond, Medeiros, Menezes, Quintana, Vanessa, Dall’Alba, Oscar, Manuel Maria e outros, foi capaz de fazer sobre mim brilhar a luz do Belo. Resignei-me, enfim, a somente respirar e sentir a Poesia que eu detectava em volta, recolhendo minhas incompetências para dentro de mim mesmo e aprendendo que Arte também se faz apenas existindo, sem ter de gerar poluição criativa. Todos agradecem.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 4 de novembro de 2011)

2 comentários:

Anônimo disse...

Mas, cara, pensa num TEXTO BEM ESCRITO!

Clap! Clap! Clap!

J.Cataclism

AB disse...

Meu caro, faz mais de hora que estou passeando aqui pelo seu blog. Encantada com suas letrinhas e satisfeita que meu fôlego consiga alcançar seus períodos longos, para se perder em risos nos curtos. Adorei tanto que deixei um Hemingway me esperando. abraços