sexta-feira, 29 de julho de 2011

Vidas dubladas

Mais essa agora! Notícias de jornal revelam que a maioria do público adulto que freqüenta salas de cinema no Brasil prefere filmes dublados em detrimento dos originais legendados que trazem o som e as vozes reais dos atores. Preferem dublado! Preferem encarar a trama com metade da obra cinematográfica adulterada por meio de uma banda sonora enxertada em cima, com reincidentes vozes metálicas e repletas de ecos de estúdio. Preferem isso! Consomem arte pela metade, mas pagam preço de arte inteira. E se julgam espertos!
Tudo bem, se forem analfabetos. Infelizmente o problema ainda persiste em várias regiões do país, não somos uma Bélgica. Sei disso. E se for esse o caso, apresso-me a dizer que minha crítica não se aplica a eles. Perdoados estão os analfabetos, que obviamente não conseguem decifrar as legendas. E não se está falando aqui sobre crianças (já alfabetizadas ou não), que não possuem ainda a destreza de leitura necessária para acompanhar o ritmo dos diálogos. Outro perdão concedido aos velhinhos, que adoram cinema mas cujos reflexos visuais já não são mais os mesmos de outrora. Perdão a eles também. Pronto.
Agora voltemos aos tais dos adultos brasileiros que preferem que os filmes sejam dublados. A parte imperdoável da coisa toda reside na razão que motiva tal preferência: pura preguiça mental. Opção deliberada pelo não pensar. Desleixo com a própria inteligência. Porque preferem tudo pronto, mastigadinho. Não vão ao cinema para degustar uma obra completa, como são os filmes, que reúnem o melhor de todas as artes (roteiro, texto, interpretação, fotografia, música etc). Vão para cumprir tabela. Para fugir de si próprios, ao invés de se alimentar com cultura. Correm, isso sim, o risco de virem a ter suas próprias vidas dubladas.
Para eles, espero que inventem uma pílula milagrosa que, engolida, proporcione imediatamente a sensação de já terem visto determinado filme (ou lido determinado livro), bombardeando o cérebro com as lembranças do filme que nunca viram ou do livro que nunca leram. Para que não tenham trabalho e possam usar o tempo que sobra para... para... para o que mesmo??
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 29 de julho de 2011)

5 comentários:

Anônimo disse...

Iiihhhhhhhhhhh.... cara, eu acho que vais receber e ler tantas palavras de ódio em relação a esta tua opinião, que dá até medo imaginar hehehehehe.

Mas eu concordo. Pura e simplesmente porque GOSTO do que é original, sem aquelas "vozes metálicas", como escreveste. Principalmente em casos de filmes de idiomas diferentes do habitual, como "Os homens que não amavbam as mulheres", todo em idioma sueco. E também porque é um barato o cara poder tentar, efetivamente, ENTENDER algum outro idioma, enquanto curte a película.

Porém, há casos em que eu simplesmente não conseguiria suportar o original por muito tempo, como episódios do Chaves ou o próprio filme d´Os Simpsons, por exemplo: a coisa já tá tão intrínseca no cara que dá um certo asco em acompanhar as vozes originais.

E também há minhas particulares exceções. Outro exemplo, sou fã do Schwarzenegger, mas acho melhor escutá-lo dublado, porque o original falando é cômico, SEMPRE! hahaha!

A dublagem também tem outro calcanhar de aquiles: é muito estranho, a meu ver, tu escutar o próprio Schwarz com a voz do McGyver... sei lá, simplesmente estranho!

J.Cataclism

marcos fernando kirst disse...

Olha só, Cataclism... também achava que eu seria apedrejado, mas começo a achar que quem não lê legendas também não lê crônicas de jornal, portanto, saí ileso... hahahahahaha.

Anônimo disse...

Hahaha pois é, faz todo sentido!
:-D

J.Cataclism

Fernanda disse...

Marcos,

De fato o comodismo é uma justificativa (medonha) para muitos que afirmam e reclamam não conseguir acompanhar o desenrolar da película com legendas. Já ouvi falarem: “ou eu vejo o filme, acompanho as cenas ou leio aquelas letras rápidas”. Ao ouvir esse tipo de afirmação e relato, geralmente digo que então seria bem interessante se o filme fosse assistido mais de uma vez – sem contar que isso é de extrema relevância até mesmo para aqueles que não tem esses problemas técnicos mentais de não conseguir atender tanto leitura quanto acompanhamento do filme em si – porque, assim, a globalidade do conteúdo seria, de fato, apreendida, sentida, aplaudida, criticada com conhecimento de causa e efeito, só que aí, as pessoas costumam dizer que “é chato ver um filme mais de uma vez”, mas... minha dialética volta a atacar: como assim, “assistir mais de uma vez”, se a primeira vez foi apenas assistida pela metade?? Se a pessoa apenas conseguiu acompanhar bem ou as cenas ou a legenda, tão somente?? E pior ainda: e se a pessoa, numa verve por querer entender tudo, sem ter tal habilidade (falta de treino, sem dúvida... vontade de receber tudo mastigado, como bem citaste em tua crônica), acaba capitando menos da metade do todo... bom, aí o entendimento do filme, na primeira tentativa de assisti-lo, eleva-se a pouco mais que nada. Ainda assim vejo nisso mais um motivo para que o filme não seja descartado na primeira vez que foi visto, embora eu saiba que seja notório o quanto já foi instaurada a necessidade de tornar tudo mais fácil, menos passível de pensar... em casos assim, tirando aqueles que ainda podem ser recuperáveis, o que resta é mesmo o que tu propões de forma sarcástica e sapiente, manifestando uma crítica elevadíssima: “espero que inventem uma pílula milagrosa que, engolida, proporcione imediatamente a sensação de já terem visto determinado filme (ou lido determinado livro), bombardeando o cérebro com as lembranças do filme que nunca viram ou do livro que nunca leram.” Pois assim, sem dúvida alguma, “o tempo que sobra” será utilizado para outras tantas necessidades com os mesmos matizes de banalizar o que alguém destinou tanto tempo, lapidando, para transformar em arte, em beleza, em um veículo que propicia tantas vantagens ao conhecimento e que, caindo no senso comum, é transformado em parco entendimento, infelizmente.

marcos fernando kirst disse...

Corretissima avaliação cinematográfica, Fernanda. A tendência a banalizar a própria vida é o que afasta os seres atuais do processo interno de relacionar-se (e não "consumir") uma obra de arte, seja ela qual for. Vai-se ao cinema para comer pipoca, dizer que foi, conversar com a amiga ao lado, mandar e receber mensagens de texto pelo celular. De vez em quando, olham para a tela e se deparam com um duende azul ou um dinossauro. Tudo muito lindo. Bom para as malharias do futuro, que precisarão fabricar roupas com aberturas cada vez menor para as cabeças, já que órgão pouco usado atrofia....