terça-feira, 14 de setembro de 2010

As Azedinhas II

Recebi da leitora Ana Araldi o seguinte relato, inspirado em minha crônica publicada no jornal Pioneiro em 10/09/10, intitulada "As Azedinhas". Ana revela possuir talento de cronista, e aqui vai seu texto, que ela gentilmente me permitiu reproduzir no blog:

"No dia 28 de agosto deste ano, estávamos indo a um velório em Veranópolis, eu, meu marido e minha irmã. Logo após atravessar a ponte do Rio das Antas, à direita, há um restaurante panorâmico. Paramos, mas não pudemos apreciar aquela exuberante paisagem, pois já estava escuro. Nos limitamos a entrar, tomar um café e, na saída, ao chegar no caixa, inesperadamente fui surpreendida por um vidro transparente cheio de balinhas açucaradas por fora e azedinhas por dentro, em forma de peixinhos.
Subitamente, me transportei para a minha infância. Que delícia aqueles peixinhos doces e azedinhos ao mesmo tempo, dando-nos uma sensação de prazer completo. As lembranças daqueles dias espiavam pelas frestas do momento presente. E riam, muito. Foi delicioso lembrar e reencontrar os peixinhos.
Em meio a estas sensações, não pude conter a surpresa acompanhada de uma exclamação sonora:
- Olhem só o que estou vendo, aquelas balinhas de quando éramos crianças, há quanto tempo eu não as via, ah!!!!! Os peixinhos!!
Foi quando, golpeado por um impulso de extrema infelicidade e inadequação, o homem do caixa retrucou:
- Pois é Dona, estas balinhas são do seu tempo.
Instintivamente, cravei nele um par de olhos, como flechas, velozes e certeiras.
- Alto lá, cara! Do NOSSO tempo.
E ele, completamente descomposto, fez a tréplica:
- Ah! sim, não, quer dizer, desculpa Dona, quer dizer, Senhora, desculpa de novo, digo, sim, do NOSSO tempo.
Fez-se um silêncio constrangedor, muito breve, porém demasiado longo para aquelas circunstâncias, principalmente para ele. Claro que eu estava brincando, mas ele não percebeu isso. Tratei logo de desfazer a cena. Ri.
Peguei as balinhas, quer dizer, os peixinhos, o troco e lhe desejei um sonoro “Boa Noite, Senhor”. Os peixinhos nadavam de um lado para outro da minha boca e nunca pareceram tão azedinhos quanto naquela noite. Seriam de fato as mesmas balinhas? O que realmente havia se modificado, as balinhas azedinhas ou eu? Ou ambas?
No dia seguinte, retornamos. Impossível não conectar-se com a natureza diante de tamanha exuberância que ladeia aquela estrada. Tudo era maravilhoso e eu estava maravilhada. Passamos em frente àquele restaurante e nem foi preciso parar, pois eu nem estava mesmo com vontade de balinhas, nem de peixinhos. Pacientemente, o rio percorria seu destino e os peixinhos do rio, nada açucarados, nem azedinhos passeavam pelas águas turvas e semoventes."

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