domingo, 15 de agosto de 2010

Vidas torradas

A imprensa traz a esdrúxula notícia sobre um homem de 60 anos de idade que morreu na Finlândia durante um campeonato de resistência em sauna. O duvidoso certame funciona assim: os inconsequentes (eu deveria dizer “competidores”?) encerram-se em uma sauna, ficam lá dentro suando bicas e os carrascos lá fora (eu deveria dizer “organizadores”?) vão aumentando a temperatura interna da sala, sob os apupos dos sádicos que assistem (eu deveria mesmo dizer “da torcida”?). Ganha quem resistir mais tempo à mais alta temperatura. Pois um masoquista-suicida russo (ou seria “esportista”?) não resistiu e morreu, obviamente, apresentando queimaduras de trigésimo-oitavo grau por todo o corpo. Fascinante, não é mesmo?
Sim, fascinante a extensão da estupidez humana e o desvalor com a própria vida, desvios comportamentais que não escolhem raça, credo, religião, classe social, nacionalidade e sequer idade. Ao mesmo tempo em que detectamos entre nossos familiares, amigos e conhecidos a força e a vontade de viver buscadas lá do fundo de suas almas, especialmente quando estão doentes ou avançados na idade, ficamos sabendo de ações doentias como a da notícia, em que as pessoas lidam com seus sopros vitais como se pudessem ser prontamente recarregados caso algo saia errado. Descobrem, pois, da pior (e mais óbvia) maneira possível, que isso é impossível.
A mesma postura do cidadão de 60 anos de idade (que, com sua vasta experiência, deveria estar dando exemplos aos mais jovens) que torrou a própria vida pode ser encontrada em quem pisa desvairadamente fundo no acelerador, em quem entorna litros de álcool e enfia-se a dirigir, em quem guarda arma em casa, naqueles que, enfim, das formas mais criativas ou tradicionais, pouco valor dão às suas vidas e às dos outros. O que move alguém a brincar com isso?
É a pergunta que me faço sempre que cometo a maior ousadia a que me permito em termos de esporte radical: andar de carrossel. Até a sala dos espelhos eu evito, temendo morrer de rir. Mas cada um é cada um, como já dizia meu finado avô. Detalhe: só morreu aos 90 anos e sempre apreciou uma boa sauna.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 13 de agosto de 2010)

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