domingo, 18 de julho de 2010

Quem morre antes: o livro ou o leitor?

Aos poucos, começo a achar que o advento da internet e da vida online não configuram Cavaleiros do Apocalipse cuja missão secreta e maquiavélica é acabar com a raça dos livros impressos. Ao que tudo indica, a estimativa de vida dos códices como nós os conhecemos ainda é longa, não há motivo para mais choro, desespero e ranger de dentes. Aliás, o tempo e as energias gastos se martirizando frente a um discutível ocaso dos livros feitos em papel palpável deveriam ser melhor empregados lendo livros e/ou estimulando a leitura e a aquisição de obras interessantes. Só assim estaremos concretamente fazendo frente à temerária extinção dos livros, impedindo que, antes deles, desapareçam mesmo é os leitores.
Apesar de toda a histeria que surge quando se fala em livros cibernéticos e textos digitalizados, os números relativos ao tradicional mercado livreiro ao redor do planeta desmentem os prognósticos catastrofistas direcionados ao produto livro-de-verdade-impresso-em-papel-e-encadernado-com-capa. Editoras surgem como negócios viáveis e rentáveis a torto e a direito e lança-se e edita-se livros como nunca antes na história da humanidade. E as estatísticas falam por si: segundo pesquisas internacionais, 700 mil novos títulos foram publicados ao redor do mundo em 1998. Em 2003, foram 859 mil novos títulos. Em 2007, o número de novas obras chegou a 976 mil. Seguramente a Terra já está colocando no mercado um milhão de novos títulos de livros à venda por ano. Sem falar nos relançamentos de obras consagradas e de reedições de títulos que caem no gosto do público.
Isso tudo, reforce-se bem, refere-se aos livros “livros-mesmo”, aqueles objetos sólidos que a gente pega com as mãos e lê na cama, no quarto, leva junto na pasta ou na bolsa, carrega no ônibus ou na fila do banco. Não me parecem, na verdade, serem seres que pertençam a uma espécie em extinção. Repito que temo mesmo é pelo sumiço da raça dos leitores muito antes do desaparecimento dos livros. Minha visão de final dos tempos é um mundo em que os livros de repente se vejam órfãos de leitores, e não o contrário. Convenhamos que meu pesadelo é bem mais assustador e, por isso mesmo, mais próximo da realidade do que um inverossímil fim dos livros. Infelizmente.
De acordo com outra recente pesquisa feita entre estudantes franceses, 43% deles (tirei esses dados todos da leitura do livro “A Questão dos Livros”, do autor norte-americano Robert Darnton) consideram o cheiro como uma das características mais importantes dos livros impressos. Importante a tal ponto que eles evitam adquirir livros eletrônicos, desprovidos de características odoríferas (e de literatura e de cheiros, convenhamos, os franceses entendem). Ou seja: o ato de ler a partir do suporte livro impresso é uma atividade que envolve não só a questão intelectual dos seres leitores, mas também estimula todos os seus demais sentidos, como o tato (o prazer de pegar e folhear um livro), a visão (namorar visualmente a capa e o trabalho gráfico de um livro), o olfato (os odores característicos de livros velhos e novos), a audição (o som do silêncio reinante em um ambiente propício para a leitura, ou o barulho do vento nas árvores, dos pássaros, de uma cachoeira ou da rebentação do mar, próximo aos quais lemos) e o gosto, pois quem nunca teve as papilas gustativas acionadas ao degustar o prazer de uma boa leitura é porque ou não sabe ler ou jamais se deparou com uma leitura saborosa.
Em suma, proponho que fiquemos assim: enquanto houver leitores que os apreciem, os livros impressos continuarão a existir. São como os deuses gregos e romanos, que viveram enquanto tiveram quem acreditasse neles. Depois, tornaram-se mitos e lendas e, nessa condição, permanecem vivos em nossa cultura. Espero estar longe ainda de minha descendência a época em que os livros impressos se reduzirão a mitos e lendas. Cabe a cada um de nós afastar para longe a chegada desse dia.
(Publicado na seção Planeta Livro da revista Acontece Sul, ediçao de julho/2010)

Nenhum comentário: